quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

CAIPIRA SHOW vs TINTO DO PIPO




Convívio ou simplesmente “ vive-o ”

DIA 7/12/07

No -2 CONTINENTAL CLUB

Estão todos convidados

sábado, 1 de dezembro de 2007

O actor

O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão deslamadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãso.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado de estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.

O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.

Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades
silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que
atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Revita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do
dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão arrebatadamente como
o actor.
Como a unidade do actor.

O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome quer provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de
holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o
actor.
Como o corpo do actor.

Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com a sua ossada de base,
com as suas tantas janelas,
e ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o
actor.
Como o secreto actor.

Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a
cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o
actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.

O actor em estado geral de graça.

HELBERTO HÉLDER

Poética de um Clown


Veronica Petrova

‘O clown é a poesia em acção’
Henry Miller

Segundo Roberto Ruiz, a palavra clown vem de clod, que se liga, etimologicamente, ao termo inglês "camponês" e ao seu meio rústico, a terra. Por outro lado, palhaço vem do italiano paglia (palha), material usado no revestimento de colchões, porque a primitiva roupa desse cómico era feita do mesmo pano dos colchões: um tecido grosso e listrado, e alcochoado nas partes mais salientes do corpo, fazendo de quem a vestia um verdadeiro "colchão" ambulante, protegendo-o das constantes quedas.
Na verdade palhaço e clown são termos distintos para se designar, na essência, a mesma coisa. As diferenças consistem nas linhas de trabalho. Como, por exemplo, os palhaços (ou clowns) americanos, que dão mais valor ao gag, ao número, à ideia; para eles, o que o clown vai fazer tem um maior peso. Por outro lado, existem aqueles que se preocupam principalmente com o como o clown vai realizar o seu número, não importando tanto o que ele vai fazer; assim, são mais valorizadas a lógica individual do clown e a sua personalidade; essa forma de trabalhar é uma tendência para uma abordagem mais pessoal. Podemos dizer que os clowns europeus seguem mais essa linha.

O clown tem as suas raízes na baixa comédia grega e romana, com os seus tipos característicos, e nas apresentações da commedia dell'arte. Nas festividades religiosas e nas apresentações populares da Antiguidade, havia uma alternância entre o solene e o grotesco. Esse é um facto comum a povos distintos: dos gregos até os aborígenes da Nova Guiné, passando pelos europeus da Idade Média ou pelos lamaístas do Tibete.
Esta combinação do cómico e do trágico acentua a percepção de emoções contrapostas e é muito peculiar no clown. Para Shklovski, o clown faz tudo seriamente. Ele é a encarnação do trágico na vida quotidiana; é o homem assumindo a sua humanidade e a sua fraqueza e, por isso, tornando-se cómico.

Existem dois tipos clássicos de clowns: o branco e o augusto. O clown branco é a encarnação do patrão, o intelectual, a pessoa cerebral. Tradicionalmente, tem o rosto branco, vestimenta de lantejoulas (herdada do Arlequim da commedia dell'arte), chapéu cônico e está sempre pronto a ludibriar o seu parceiro em cena. Modernamente, ele apresenta-se, muitas vezes, de smoking e de laço.
O augusto é o tolo, o eterno perdedor, o ingénuo de boa-fé, o emocional. Ele está sempre sujeito ao domínio do branco, mas, geralmente, supera-o, fazendo triunfar a pureza sobre a malícia, o bem sobre o mal. Adoum afirma que a relação desses dois tipos de clowns acaba representando cabalmente a sociedade e o sistema, e isso provoca a identificação do público com o menos favorecido, o augusto. Podemos considerar que o verdadeiro e autêntico clown é o augusto, o branco nunca o chega a ser verdadeiramente.

O clown é a exposição do ridículo e das fraquezas de cada um. Logo, ele é um tipo pessoal e único. Uma pessoa pode ter tendências para o clown branco ou para o clown augusto, dependendo da sua personalidade. O clown não representa, ele é – o que faz lembrar os bobos e os bufões da Idade Média. Não se trata de um personagem, ou seja, uma entidade externa a nós, mas da ampliação e dilatação dos aspectos ingénuos, puros e humanos (como nos clods), portanto "estúpidos", de nosso próprio ser. François Fratellini, membro de tradicional família de clowns europeus, dizia: "No teatro os comediantes fazem de conta. Nós, os clowns, fazemos as coisas com verdade."

O trabalho de criação de um clown é extremamente doloroso, pois confronta o artista consigo mesmo, colocando à mostra os recantos escondidos da sua pessoa; vem daí o seu carácter profundamente humano.

Extraído de palhacovoador.blogspot.com

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

ENTREtanto TEATRO | ESTACA ZERO TEATRO apresentam

FÓRUM CULTURAL DE ERMESINDE
[ 6 Novembro | 11 Novembro ]

terça a domingo 21h45

MINEIRO
a partir de 'A Cena do Ódio' de José de Almada Negreiros

texto, encenação e espaço cénico JÚNIOR SAMPAIO
assistente de encenação DANIELA GONÇALVES
cenografia e figurinos RUI AZEVEDO
música original RUI LIMA e SÉRGIO MARTINS
desenho de luz e operação de luz e som HÉLDER SIMÕES
interpretação HUGO SOUSA e CARLOS GONÇALVES,

EMANUEL de SOUSA, IVONE OLIVEIRA, JAIME PACHECO,
RITA VIEIRA, RUI GOMES, SARA FERNANDES e TÂNIA REIS
imagem gráfica EMANUEL de SOUSA
produção executiva AMÉLIA CARRAPITO, SOFIA LEAL [ET]
IVONE OLIVEIRA, CLAÚDIA SOUSA [EZ]
co-produção ENTREtanto TEATRO | ESTACA ZERO TEATRO

classificação etária M/14 anos
duração aproximada 60 min

Fórum Cultural de Ermesinde
6 Novembro de 2007 [estreia]

MINEIRO um homem soterrado com os seus espectros concretos e utópicos.
Num combate constante para fugir do mundo contemporâneo ele exorciza
os vícios, os derrotados, os ultrajados e discrimina o homem civilizado, os
intelectuais, a canalha, a gente simples operária e (…) o burguês.


Informações e Reservas por telefone: 224 211 565 | 964 751 300.
Bilhetes € 5
(30% desconto ENTREtanto amigos, menores 25 anos, maiores 65 anos)

Os bilhetes devem ser levantados, no dia do espectáculo das
19h00 às 21h00, na bilheteira do Fórum Cultural de Ermesinde.


ENTREtanto TEATRO
Centro Cultural de Campo
Tv. São Domingos, Campo
4440-191 Valongo Portugal
T+F +351 224 211 565
TM +351 964 751 300

www.entretantoteatro.pt
geral@entretantoteatro.pt


ESTACA ZERO TEATRO
Auditório Horácio Marçal
Rua Álvaro de Castelões
4200-047 Porto Portugal
TM +351 916 529 041

www.estacazeroteatro.com
zero@estacazeroteatro.com

domingo, 14 de outubro de 2007

"O Carteiro de Pablo Neruda", António Skarmeta


Caros colegas,

Estão todos convidados para assistir ao próximo espectáculo do Seiva Trupe, "O Carteiro de Pablo Neruda", com Jorge Botelho e Marco Ferraz no elenco em representação de todos os outros "Bocas".

De 25 (28) de Outubro a 30 de Novembro 2007
Teatro do Campo Alegre
T. 22 600 10 00/2


O CARTEIRO DE PABLO NERUDA

“Mário (O Carteiro) – Poça, como eu gostava de ser poeta!
Pablo Neruda – Homem! No Chile todos são poetas. É mais original que
continues a ser carteiro. Pelo menos andas muito e não
engordas.
Neruda voltou a pegar na maçaneta da porta, e dispunha-se a entrar quando Mario, fitando o voo de um pássaro invísivel, lhe disse:
- É que se fosse poeta poderia dizer o que quero.
- E o que é que queres dizer?
- Bem, esse é justamente o problema. Como não sou poeta, não sei dizê-lo”...

In O Carteiro de Pablo Neruda

O CARTEIRO DE PABLO NERUDA

Mário Jiménez vive com o pai na Ilha Negra onde o principal ofício é a pesca. Mário não quer ser pescador e aos 17 anos arranja trabalho como carteiro. Mas naquele lugar, não se lê nem se escreve e Mário tem um único cliente, Pablo Neruda. A amizade de Don Pablo e a sua poesia transformam a vida de Mário. Este jovem carteiro descobre o poder da metáfora e da poesia através do contacto e da amizade com o poeta.

No elenco estarão António Reis/ Miguel Rosas / Sara Barbosa / Sandra Ribeiro / Marco Ferraz / Jorge Botelho
Cenários de José Carlos Barros.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Porquê fazer teatro?

"... quero e posso mostrar ao público de gentes várias, os caminhos para a Justiça. Aqui, sobre as sujas tábuas deste palco (...) Amassando com as minhas mãos a mentira, a fealdade, a traição, o despudor... - que tudo isto sois e encarnais! - eu posso ensinar o Povo a conhecer o rosto autêntico da beleza, da verdade, da coragem, da virtude... Posso! Este teatro é, e tem de ser, para mim, para vós outros, como um sacramento: mal pisamos este estrado, logo de cada um de nós se descasca - seca, rugada, grossa e pestilenta - a crosta miserável das vidas que, lá fora, obrigados somos de viver! E renascemos belos e justos, bons e puros E damos a quantos nos vêem ver e escutar a beleza, a justiça, a castidade.... de que hão mister para bem viver. "

António José da Silva, em "O Judeu" de Bernardo Santareno

domingo, 30 de setembro de 2007

Curso de Clown - Porto

Curso de clown - porto
16, 17 e 18 de Novembro 2007
com Alex Navarro & Caroline Dream

Não ajas como um
palhaço, Sê um
Palhaço!!!!

www.clownplanet.com www.cursosdeclown.com

A filosofia é simples: quanto mais me divirto, mais os outros se divertem. O clown aparece
se estás preparado(a) para jogar, se deixas que o teu corpo entre nos jogos de ritmo
e exagero, se permites às tuas emoções fluir em jogos de expressão e comunicação, se
abres o teu coração ao riso, e sobretudo se és honesto(a), então o público estará aberto
a fazer parte do teu universo clownesco.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Viva a Broa ! Abaixo o circo das avionetas entourecidas!



Abraços fortes a quem os sente!
Vamos todos festejar!?

O circo está no ar
Para os pobres despistar
Não vamos meter os cornos
Vamos á festa popular

A broa está no forno
Pela lenha aquecido
A boca é de fogo
Nunca será esquecido.


Beijinhos baltazar

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Passagens




Olá gente teatreira!

Depois de uma longa ausência volto cheia de saudades vossas...aguardando ansiosamente essa bela festa da Broa.
Até lá deixo-vos algumas impressões de Barcelona...digamos....mais ou menos artísticas... para saber mais tenham muito Cuidado com o Cão.

Mariana*

ISTO É EXPRESSÃO DRAMÁTICA!!!


Pois é meninos, enquanto vocês combinavam ir até ao Altitudes, comer broa e visitar a Feira Medieval, eu dava-lhe no duro, treinando movimentos e expressões, como podem comprovar aqui na foto... todos os dias da minha caminhada desde St. Jean Pied de Port até Santiago!!!
Sou um tipo exemplar!!!


Abraço de saudade... a todos!

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Seus toscos lindos !

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Recém criado para dar luz aos átrios de Portugal



www.teatrio.blogspot.com

Era ó vinho meu deus era ó vinho....

quinta-feira, 12 de julho de 2007

"O Avarento" de Moliére, pelo Teatro de Praga (Teatro Nacional de São João)

www.teatropraga.com (fotos de todas as suas produções)

O Teatro Praga tem gerado entusiasmo no que diz respeito à sua abordagem à prática teatral, [...] Mas no entanto é difícil definir um modelo para esta companhia: o Teatro Praga não escolhe com predeterminação um estilo teatral; não possui qualquer manifesto estético; rótulos ou géneros artísticos (inter-culturais, visuais...) não se coadunam com a diversidade do grupo. Recusando trabalhar de forma “mecanizada” e continuando a basear a sua aproximação ao teatro hic et nunc, os membros deste grupo criam uma prática teatral impassível de ser repetida. Assim, o teatro do Teatro Praga é sempre diferente, em constante desenvolvimento, sujeito a mudanças imprevistas.

A ideia deste projecto surge a partir duma colaboração antiga com a Companhia belga STAN, uma das estruturas artísticas que de mais reconhecimento goza, no que diz respeito às artes performativas belgas e europeias, nomeadamente em espectáculos como PointBlank ou Public Enemy, que são consideradas pelas estruturas de acolhimento de teatro contemporâneo de toda a Europa, como passos marcantes e inquestionáveis duma busca constante de novos sentidos e linguagens para a cena. O facto de trabalharem sem encenador e sem marcações, e fazendo uma apropriação do texto duma forma politicamente activa, suscita o interesse de diversos pensadores do futuro das artes contemporâneas. O Tg. STAN tem sido inclusivamente objecto de estudo de teóricos e conferencistas que se dedicam ao estudo do verdadeiro fenómeno que constituem neste momento as artes performativas da Flandres e da Holanda, com exemplos sobejamente conhecidos como Jerôme Bel, Anne-Teresa de Keersmaker ou Alain Platel.

O trabalho desta companhia foi um ponto de partida muito importante e uma fonte de inspiração para o Teatro Praga, combinando na sua prática teatral uma abertura máxima com uma extrema concentração. Nada é escondido do público, o público não é raptado para outro espaço e outro tempo, é antes convidado a estar presente em conjugação com os actores. Para nós a responsabilidade individual dos membros determina a estrutura do grupo: todos os envolvidos (desde actores a técnicos) têm algo a dizer em relação às direcções tomadas. Não há, por isso, um percurso fixo, dado que não existe um “comité central” que confere continuidade ao projecto, nem uma hierarquia que vá descodificando o percurso.

O Teatro Praga não se considera portanto uma instituição. É um colectivo de individualidades com ideias sobre o teatro e uma vontade de as desenvolver e concretizar colectivamente, sendo que cada indivíduo deverá defender as suas ideias, e assim algumas decisões são tomadas, tendo como base um dos mais democráticos instrumentos, o debate.

Consequentemente o grupo trabalha sem encenador e cada membro toma em si a responsabilidade de todos os actos criativos, desde a selecção de textos à operação das luzes, acreditando que este envolvimento pessoal se reflectirá nos próprios espectáculos.

Kristian Seltun, director artístico do Black Box Teater em Oslo, professor da Universidade de Bergen e conferencista, falava sobre estes temas nos Capitals in Conversation, no Acarte, em Julho de 2002: "...os jovens artistas estão a distanciar-se do campo teórico que foi tão importante para a geração que os antecedeu - nomeadamente o da desconstrução. A desconstrução levou os artistas a investigarem e a apontarem a dificuldade de conceitos como identidade, sexo, etnicidade, ideologia/política, representação em linguagem/meio de comunicação/estruturas de poder, etc... A nova geração não está, de todo, a deixar para trás este aspecto, só que já não tem a mesma necessidade de o investigar. Em vez disso, serve-se da desconstrução como base intelectual para uma expressão mais preocupada com a sentimentalidade e com uma sensação de perda - ostentando assim uma espécie de doce romantismo que tem simultaneamente um lado trágico e um lado de consolação."

O Teatro Praga distinguiu-se em anos anteriores por fazer um teatro iminentemente vivo, em que os actores sublinham o lado lúdico da contracena e se desafiam e degladiam, provocando os textos de repertório, questionando as convenções e propondo uma meta-teatralidade que permite questionar a hierarquia teatral e a figura paternal do encenador, e que se traduz em co-criações feitas de discussões e fogos-fátuos, mas também de rasganços e liberdades. Temo-nos assim afirmado como um colectivo de actores que funciona mediante as propostas e os desenvolvimentos pessoais dos membros do grupo, mas sempre com uma perspectiva do percurso e das ansiedades do todo, como uma estrutura permanente que abriga e desenvolve projectos [...] que sublinham as trocas de autorias, as procuras das afinidades e a perigosidade do acto teatral, questionando-nos sempre e fazendo das questões o objecto de trabalho primordial.

Pretendemos reflectir sobre um teatro livre de preconceitos formais e estéticos. Pretendemos que o acto de criação seja feito de falhas e de arranques sucessivos, de entidades nebulosas e de pulsões vitais. Como escreveram Gilles Deleuze e Félix Guattari no Anti-Édipo (tradução de Varela, Joana Morais e Carrilho, Manuel, editora Assírio e Alvim, 1995): "Já não acreditamos numa totalidade original, nem numa totalidade de intenção. Já não acreditamos na monotonia de uma pálida dialéctica evolutiva que professa a reposição da ordem nas partes através do arredondamento das suas arestas aguçadas, só acreditamos em totalidades quando se encontram nas linhas laterais. E se encontramos essa totalidade junto das partes, é um todo compreendendo estas partes que não as totaliza, uma unidade entre estas partes que não as une e que se junta a elas como uma nova parte composta separadamente."

O Teatro Praga é um colectivo que funciona mediante as propostas e os desenvolvimentos pessoais dos membros do grupo, mas sempre com uma perspectiva do percurso e das ansiedades do todo, como uma estrutura permanente que abriga e desenvolve projectos.

Pretendemos reflectir sobre um teatro livre de preconceitos formais e estéticos. Pretendemos que o acto de criação seja feito de falhas e de arranques sucessivos, de entidades nebulosas e de pulsões vitais. Queremos um espaço em branco feito de oportunidades e de encontros furtivos que tragam à luz momentos de discussão e confronto. Queremos recusar efeitos eminentemente fictícios e recusamos a ideia de um teatro feito de regras basilares e de dogmas cristalizados. O espaço que criámos e continuamos a desenvolver faz-se da valorização do actor como agente primeiro da criação, mas não se auto-compadece com um espaço meramente reflexivo, aposta fortemente na execução e na fisicalidade (humana e material).

“Perguntas, dúvidas e confrontos”

Ao longo de dez anos de existência, o Teatro Praga tem vindo a definir o seu discurso performativo através de propostas que pensam a estrutura do espectáculo, não somente como modelo de questionamento acerca da prática teatral, mas também, e sobretudo, como programa de recusa e negação. Ao longo das produções, o colectivo tem oferecido um discurso feito de perguntas, dúvidas e confrontos, construindo, desse modo, um corpo artístico (auto)crítico.

Uma das linhas fortes do seu trabalho assenta na relação com o espectador. São os próprios a afirmar que, nas suas criações, “nada é escondido do público, o público não é raptado para outro espaço e outro tempo, é antes convidado a estar presente em conjugação com os actores”. O facto de “importar o momento” não se prende com qualquer urgência performativa, mas antes com um discurso sobre a necessidade de validação das propostas, no momento em que acontecem.

O teatro como uma obra em aberto

“Sous la règle, découvrez l’abus.” Bertolt Brecht

“Não há obra total sem contradição.” Roland Barthes

Podemos começar por falar em identidade e tentar perceber se o que caracteriza o trabalho do Teatro Praga tem mais a ver com as circunstâncias de produção (leia-se a envolvente política, social e cultural) ou com uma vontade em inscrever no acto performático uma dimensão de real e de verdade que tende a estar esquecida naquilo a que se convencionou chamar “urgência criativa”.

Diria que mais do que se distinguirem pelo modo como questionam o teatro que fazem (que se faz), existe uma vontade/necessidade de viverem em confronto com as respostas que daí surgem. Sobretudo porque uma limitação às fronteiras condicionantes da realidade nacional daria aos espectáculos uma finitude e hiper-efemeridade, em vez de lançar pistas para o programa que estão a construir. Programa esse que assenta numa relação estreita com o espectador, no estabelecimento e desconstrução de um corpo referencial e na reflexão em torno de uma ideia de teatro enquanto agente activo (e interventivo), primeiro no seio da comunidade artística (onde acaba?), depois no contexto onde se insere.

A identidade do Teatro Praga não está, portanto, só nos seus espectáculos, mas sobretudo na recepção desses espectáculos. O modo como deles se parte para observar a complexa rede onde se inserem força-(n)os a uma permanente evolução. É certo que nada disto é novo ou original, mas já dizia Arno Gruen que não se criam novos deuses só porque se substituíram os velhos…

Pensemos na frase “a responsabilidade máxima do espectador”, que surgiu por diversas vezes nos espectáculos e tem feito destes um desafio permanente à definição do lugar do espectador nas propostas da companhia. Que pode levar um projecto artístico a querer estabelecer com o público uma relação directa e interdependente, falsificando aliás a ideia de que os espectáculos podem acontecer sem a intervenção directa dos espectadores?

Diria que pela necessidade de transformar o espectáculo numa experiência estética, uma vez que esta “não se inicia pela compreensão e interpretação do significado de uma obra; menos ainda pela reconstrução da intenção do seu autor. A experiência primária realiza-se na sintonia com o seu efeito estético, na compreensão fruidora e na fruição compreensiva”1. Mas uma experiência estética que seja, ao mesmo tempo, uma fronteira que se deve (querer) atravessar. E isto inclui a própria companhia, obrigada que fica a uma reflexão pública.

Portanto, a identidade do Teatro Praga existe numa relação de projecção-reflexo, na qual o que se dá a ver serve como catalizador de uma série de estruturas convencionais. Estruturas essas que são tanto dramatúrgicas (o texto não é um centro, é um disseminador) como hierárquicas (numa tentativa de encontrar o fil rouge que as une) ou referenciais (onde a referência não é um fim em si mesmo, mas uma porta comunicante). Na verdade, estamos perante objectos que atentos à condição física de serem teatro (logo, ficção) buscam uma lógica que recupere o sentido primário das acções. Como já referiram por diversas vezes, devolver ao teatro o que é do teatro. “A responsabilidade máxima do espectador” é então ser-se capaz de encontrar no caos ficcional a verdade original (antes do pecado, portanto).

Estamos perante uma dimensão eminentemente política. Esta dimensão de resgate (o teatro ao teatro) contraria o que se espera de uma companhia contemporânea, assente normalmente em pressupostos de recusa e contaminação artística. Arriscaria dizer que aquilo que o Teatro Praga faz é puramente convencional, no sentido brechtiano do termo, onde a convenção deve pressupor uma abertura de limites (“na regra, descobrir o abuso”, dizia Brecht). E, no caso concreto, o limite do teatro não reside no reconhecimento imediato da proposta e menos ainda na satisfação dos envolvidos. Reside, sim, num constante questionamento sobre a validade do que se faz.

Em 1965, Roland Barthes perguntava: “Como fazer uma arte difícil e ao mesmo tempo acessível?”2. Para o Teatro Praga, essa resposta existe sob a forma de espectáculos em que a matéria de base é o próprio teatro, no modo como é visto e feito. Jogando permanentemente com o conflito entre o verdadeiro e o falso, constroem estruturas cénicas onde o fazer sob a forma de teatro serve de pretexto para abolir a distância entre retrato e retratado. São disso exemplo a desconstrução do jogo cénico através de um prolongado improviso em Um Mês no Campo (2002), o jogo que determinava os intérpretes de Private Lives (2003), o público dividido em Título (2004), as entrevistas que serviram a dramaturgia de Sobre a Mesa, a Faca (2005) e a fragmentação das memórias teatrais em Agatha Christie (2005). A possibilidade de tudo poder ser transformado em matéria teatral dá aos espectáculos não um cunho de real (no que isso implicaria de facilidade de reconhecimento), mas antes torna falsa a própria realidade. À pergunta colocada por Barthes, o Teatro Praga responde: fazendo.

A contemporaneidade portanto, porque contemporâneo é o todo presente aqui e agora, independentemente da altura em que foi feito. Está no modo como se perpetuam as referências e na validade contemporânea das mesmas. Veja-se como em Alice no Armário (2004) dão à história de Lewis Carroll uma dimensão trágica, ou em De Repente Eu… (2003) se apropriam de um mal-de-vivre geracional, fazendo deste matéria para radicalizar a vida. Mas compreenda-se também como pode ser trabalhada essa ideia de contaminação referencial que liberta as fontes de uma finitude, interligando-as, não só essas mesmas fontes, mas também os próprios espectáculos. Casos como Quarteto e Discotheater (ambos de 2006) mostram um trabalho sobre a manipulação da referência com vista ao estabelecimento de um novo paradigma crítico, onde é o próprio espectáculo que se sujeita a uma irrisão fatal. A convocação de diferentes campos e análises dá à dramaturgia a noção de abertura que Umberto Eco definia em Seis Passeios pelo Bosque da Ficção (1994), e que é evocada no título deste texto. Assiste-se a uma prova de resistência que é activada no momento da representação, mas que se prolonga no diálogo com o espectador. Através deste mecanismo de apropriação, os intérpretes são uma espécie de agentes perversos no processo de fixação de novas fronteiras para a referência. Estas ideias de perverso, subversão, sedutor e pecado estão cada vez mais presentes – por exemplo, na relação de um para um subjacente ao ciclo Shall We Dance (2003-…), no espelhamento do establishment que bebe do seu próprio veneno em ***** (2005), ou na exposição de guilty pleasures em Eurovision (2006) – e têm levado os espectáculos a um confronto estético e teórico que poderia (se não fosse retórico) ser designado como avant-garde. Mas, e recuperando a pergunta de Roland Barthes: na avant-garde de que teatro?

Segundo Barthes3, a avant-garde nasce para o artista como um modo de resolver uma contradição histórica precisa: contestar uma burguesia com poder, mas cada vez mais retrógrada. Ou seja, impedir que o acesso à cultura e à reflexão se tornasse cada vez mais enquistado por uma normatividade. Por isso mesmo, não designa outra coisa senão uma extensão um pouco exuberante e excêntrica do domínio burguês. Razão pela qual arrisco afirmar que se o teatro praguiano é convencional, é-o porque obriga a uma morte da realidade falsa, da convenção instalada, da prevalência de uma matéria sobre outra. É-o porque pressupõe uma dissecação das razões da morte, obrigando a que sejam intimados para julgamento os culpados.

Não há nada só por haver. Nem cena, espaço, actores, texto, espectador, encenador, nem tempo, figurinos, cenários, adereços ou mensagem. Para que exista tudo isso tem que haver responsabilidade. E é isso que se reclama. Logo, cada coisa convocada deve procurar organizar-se, justificando a sua presença. Trata-se de um trabalho (e um processo) de depuração e limpeza teatrais. De uma vontade de pensar e fazer o teatro enquanto um jogo, entre o lúdico e a roleta-russa, que deve pôr em causa o modo como nos relacionamos com os objectos teatrais.

De que serve ver um espectáculo? Porque escolhemos estar ali? Que papel queremos ter? Como (re)agimos? O que fazemos com isso?

Volto à questão inicial para dizer que se procura aqui desenhar a identidade do teatro/de um teatro. Político, implicado, em exploração, que se questiona. Uma identidade passível de contribuir para uma reflexão mais ampla sobre a importância das coisas. Uma identidade sob a forma de espectáculo que não se esgota nem pretende ter outra definição. Nem híbrido nem deslocado. Um teatro contraditório, sim. Um teatro vivo.

Em relação ao avarento, em cena no TNSJ

[...] Testar ou minar a intemporalidade dos clássicos? Um desafio à altura de um colectivo que se tem vindo a distinguir por uma questionadora e provocatória desmontagem das convenções teatrais.

Hummer™

“É longo o caminho que vai do projecto à coisa.” Jean-Baptiste Poquelin de Molière

A concretização deste espectáculo deve-se a uma dupla combinação: a proposta de Ricardo Pais, que arrisca convidar-nos para uma co-produção com o Teatro Nacional São João; e a proposta do José Maria Vieira Mendes de reescrita de um daqueles textos teatrais considerados canónicos (mecanismo pertinente em relação a O Avarento, pois Molière também fizera o mesmo a uma peça de Plauto). A experiência de trabalhar com o José Maria Vieira Mendes, dramaturgo vivo e português, começou com o espectáculo Super-Gorila (uma co-criação com André e. Teodósio, estreada em 2005 em Montemor-o-Novo). Se nesse espectáculo havia um bombista que tentava repetidamente rebentar o teatro, na tragicomédia O Avarento surgem várias figuras na iminência de implodir com tanta raiva acumulada entre dentes, pois “a maior parte das doenças começa na boca”1.

Ver este espectáculo implica “voyeurizar” um conflito agonístico com total incapacidade de intervenção; são essas irascíveis teimosias entre familiares, amigos, interesseiros e montanheiros (para além de eventuais pára-quedistas) que podem provocar no espectador o esboçar de um riso. Nem uma festa, corolário da paz, salvará a animosidade. Aliás, vampirizemos um pouco os géneros cinematográficos e digamos que este Avarento inaugura um novo género teatral: o Teatro-Catástrofe2 (mas sem espectacularidade, o que em si pode parecer um paradoxo). Explicamos: às tantas o autor, este que ainda está vivo, resolveu anunciar, gaguejando, que um dos seus propósitos na escrita do texto era matar as nossas festas, Fazer a Última Festa dos Praga (reduzindo os nossos acessos dionisíacos/demoníacos a meras insignificâncias estéticas, como se já não fizessem sentido no poderoso mundo apolíneo do mito). Tinha construído assim a primeira de inúmeras punchlines por vir. – Bárbaro.

A gaguez, para além de caracterizar o fluir do bárbaro, é também o mecanismo do humor. O humor é o que faz gaguejar uma língua, tropeçar no nosso próprio território. Humor é atonal, é traidor, é traição, é linha de fuga, é roubo, é absolutamente imperceptível (não reside necessariamente em trocadilhos e em desconstrução física que são significantes, que são como um princípio no princípio)3. Humor é trairmo-nos por atravessarmos um perigo = experer (experimentar). É nesta traição que humor e tragédia se tornam inseparáveis: terrível atropelamento por um Hummer™. Explicamos:

Rir para Molière era um meio e não um fim. O humor (ao contrário da ironia) é um devir que nos desloca do espaço onde nos querem colocar, infelizes, incapazes, disponíveis para a impostura. Humor é um jipe no devir-deserto4: um Hummer™. E se, como diz a citação inicial, longo é o caminho, o meio só poderá ser um Hummer™; e o objectivo, mesmo que involuntário, um atropelamento.

Este texto faz parte de uma trilogia do autor sobre as relações entre Pais & Filhos (que vai para além do seu significado primordial e familiar). Não há palavras exactas suficientes para as sintetizar e também não há metáforas (as metáforas sujam e embaciam). Só há palavras inexactas para designar coisas exactas, e tudo isto em constante mutação. É nesse humor, e sobre a imperceptibilidade de alguns “temas-chavão”, que O Avarento opera. Usando a liberdade de comparação, diríamos que o texto do Vieira Mendes partilha alguma da riqueza na manipulação linguística de Nuno Bragança (autor injustamente esquecido) ou João César Monteiro e algumas das (des)ilusões da escrita teatral presentes na dramaturgia de Thomas Bernhard, isto é: Textos-que-ocupam-territórios-opticamente-correctos-mas-de-difícil-apreensão. Jogos sobre as ditaduras invisíveis da prática e da escrita teatrais, reconhecendo-as e tornando-as ainda mais tirânicas. Exemplos: como fazer cair a noite, como fazer passar os dias, como complexificar e desmultiplicar personagens lineares, como pôr novos a fazer de velhos, como morrer em cena, como fazer um espectáculo com um elenco numeroso, como fazer nascer o sol, como propor um realismo cenográfico exageradamente impossível; ou então coisas tão simples como: fazer um prólogo, um intervalo, um acto que não existe, um epílogo.

Neste Avarento – possível palco para infinitas e histéricas afirmações políticas e estéticas como: a distribuição do poder dentro de uma mesma geração (a do “Jonas” que fez 25 anos no ano 20005), a vigilância panóptica das cidades contemporâneas (disciplina e mutilação), velhos vs. novos, a ausência de mãe, os perigos de um mundo calculista, o poder transcendental vs. normas cartesianas sociais, a redução do humano a um valor monetário + quantificação como conhecimento, a casa como representação da economia moderna, divórcio entre economia e ética e entre verdade e valor, paranóia compulsiva como resultante de uma forma de conhecimento objectivamente perfeita, simplismo como certeza fascizante e blá blá blá – renegámos qualquer possível leitura linear, e tentámos desconstruir e “meter-a-pata” no texto o menos possível. Isto pode ser visto (pelos que nos conhecem ou pelos que têm algumas expectativas) como uma espertalhona/pouco inovadora manoeuvre classicista (representação vs. apresentação). Neste caso diremos, na senda viriliana, que é uma questão de perspectiva.

Traduzimos o texto “Cidadãos numa tina de tinta”, que figura neste programa, por ser uma reflexão sobre o Teatro, e por poder funcionar como uma falsa explicação sobre o que fazemos e sobre este espectáculo. Ao contrário do que é o nosso procedimento habitual, isto é, em vez de ter no programa excertos textuais sobre Molière ou Plauto, ou sobre as pertinências de um autor português cometer o acto de “(re)traduzir” um texto (traduttore, traditore)6 etc. e tal, decidimos disponibilizar um texto que a princípio pode parecer um pouco evasivo. Mas temos a certeza que, no conforto de um lar, ou de um café, Peter Sloterdijk será um interlocutor inigualável. O Teatro Praga.

A mais alta gargalhada

Robert McKee diz uma coisa engraçada sobre a comédia. “A comédia é pura”, diz ele. “Se o público ri, funciona; se não ri, não funciona. Fim de conversa. Por isso é que os críticos odeiam a comédia; não há nada para dizer.”

Não, a citação não é uma desculpa para acabar o meu textinho já aqui, arrumando-o em quatro ou cinco linhas e dando o trabalho por completo. Não. Não? Não. É só para deixar o aviso logo de entrada, assim de chapa: este O Avarento ou A Última Festa de José Maria Vieira Mendes consegue mesmo fazer-nos rir. Rir mesmo a sério, partir o coco a rir, morrer a rir, desmancharmo-nos a rir, rir a bandeiras despregadas, de todos os feitios e formas, sim, rir até esquecermos o que nos fez rir inicialmente, rir até começarmos a rir do próprio riso, rir de perder o senso, rir de nos ficarem a doer os trinta e tal músculos da cara que usamos para rir, rir de ser cruel com os outros, com o país e com o mundo, cruel ou lúcido, ou os dois, rir de dar gargalhadas sozinho em frente a umas simples páginas impressas, sacadas do computador. Rir-capicua, rir-ponto-de-exclamação!

Perdoem-me os excessos de linguagem, mas é que, tratando-se da difícil gargalhada portuguesa, parece-me que o facto só por si merece comemoração sem cerimónias. Que o teatro também tem de ser isto: uma forma de nos desmancharmos das nossas importanciazinhas quotidianas e nos lançarmos no absurdo da alegria (nem que seja pelo tempo de umas páginas, alguns minutos, breve relance).

Mas, perdoem-me, regresso já. Ponho os meus óculos de crítico (daqueles redondinhos que trazem também um nariz e um bigode e têm um elástico atrás) e atiro-me a ser objectivíssimo.

O Avarento ou A Última Festa – Comédia em Cinco Actos. A peça, como é recorrente na escrita de José Maria Vieira Mendes, parte de uma obra literária prévia – Dois Homens nasceu de textos de Kafka, Morrer da novela de Schnitzler, Crime e Castigo e Lá ao Fundo o Rio do romance de Dostoiévski, e Se o Mundo não Fosse Assim de contos de Damon Runyon. A novidade aqui é que o ponto de partida é, não um conto, um conjunto de contos, uma novela ou um romance, mas um texto dramático: O Avarento de Molière. E, se é certo que as peças de J. M. Vieira Mendes nunca se apresentam como meras “adaptações” para palco de obras narrativas, é também apenas natural que esta alteração de “processo”, digamos assim, traga consigo algumas surpresas de “resultado”.

Neste sentido, uma das ideias mais bem achadas deste texto – ideia que eu arriscaria vir precisamente daí, da vontade feliz de “desadaptar” um clássico escrito para as “tábuas” – tem a ver com a forma surpreendente como a estrutura explode. Começa-se por uma sequência convencional de cenas e actos e, de repente, há “música para desanuviar” e “caos” e entramos num outro lugar-de-teatro onde tudo é muito mais solto e misturado, tudo meio quebrado e meio suspenso, como se, de um momento para o outro, a peça já não fosse apenas uma ficção numa folha ou num palco mas (já sei, outro excesso de linguagem) um acontecimento dentro da nossa cabeça.

Desde o começo é bem claro que O Avarento de J. M. Vieira Mendes salta de O Avarento de Molière para outros universos, novos terrenos. Por exemplo, jardins de “doces flores, deleitoso arvoredo, ramos dourados, águas cristalinas, prados canoros”, onde Elisa se encontra com Varela, seu “preceptor e pretendente” – “Elisa: Sempre escondidos, clandestinos, para quando o amor exposto e público? Quando o poderemos nós partilhar com estes sobreiros, eucaliptos e castanheiros? Com as lebres, as rolas e as toupeiras?/ Varela: As toupeiras?” –, ou (segundo exemplo) a “oficina automóvel sem manchas, serviço de calidade, ninguém a coçar os tomates”, onde Larcão, Valter e Pineta passam os seus dias tão portugueses – “Larcão: Somos todos poetas, está na nossa natureza, a poesia e a saudade. Não se pode deitar isso fora, a veia poética, o sentido artístico do mundo, o triste fado, o vira. [...] Senão o que é que andas aqui a fazer, caralho, o que é que um tipo anda aqui a fazer, o que é que tu andas aqui a fazer, Pineta?/ Pineta: Eu?”. Terrenos de artifício onde vale a convenção e o seu contrário, a alta e a baixa cultura, a citação erudita e o palavrão rotundo, o puro rigor e o mais destravado delírio, o “escrito” das deixas e o “por-escrever” do palco. As personagens principais da peça de Molière parecem manter-se, com nomes aportuguesados – Arpagão, Elisa, Cleanto, Varela, Marina –, mas logo se revelam gente de outro tempo e de outro modo. (E depois também há um Engenheiro Maleiro, uma Dona Alzira, um Pineta...) Gente que é de anedota porque sim. “Fim de conversa”, como diria o outro. Gente que nos põe a pensar “isto não existe, isto não está a acontecer!” – mas isso em bom, como algo positivo, algo pelo qual só temos a agradecer, a aplaudir, entre risos.

E depois, lá para o fim do segundo acto, dá-se o tal espanto: a surpresa torna-se ainda mais surpreendente e somos puxados para uma realidade tão mais quotidiana quanto interior e descontínua. “Marina: O sol nasce./ Cleanto: O sol põe-se./ Caem co’a calma as aves./ É normal, boneca, é normal.”

O Avarento de José Maria Vieira Mendes: uma peça genuinamente generosa, que não se furta de usar todas as armas e mais algumas – de excertos de Édipo de Sófocles até um tipo de humor muito em cima do tempo, bastante gato-fedorêntico – para fazer alguma coisa de verdadeiramente original; um teatro, no melhor dos sentidos, igual a nada.

Há ainda um aspecto importante, no que se refere à relação texto-palco. Da leitura deste O Avarento, ressalta a grande proximidade das palavras com as “tábuas, como já ouvi dizer” (nota prévia a Se o Mundo não Fosse Assim, J. M. Vieira Mendes). Mas, por favor, sem mal-entendidos. Esta é uma escrita que recusa a solenidade “metateatral”, tendencialmente pesadona, e que, ainda assim, consegue, usando de uma leveza bem esgalhada e de mil-vários truques, reviver com o puro prazer do jogo do teatro. Nisso, a peça do autor que melhor rima com esta será porventura a já citada Se o Mundo não Fosse Assim – um texto absolutamente distinto no geral, mas onde também há este carácter lúdico de um teatro-à-mostra, em permanente auto-provocação. Aí como aqui, neste imperdível O Avarento, pede-se ao “espectador” que seja ao mesmo tempo “leitor”, porque é possível afinal (milagre! milagre! viva o milagre tosco do teatro!) divertirmo-nos com a “ilusão” e com o “artifício”. E divertirmo-nos à séria, sim, a mais alta gargalhada. Jacinto Lucas Pires

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Não se vão... Venham-se ao meu espectáculo



"Auditório da casa S.João de Deus (crazy house),
em Barcelos no dia 8 de Julho (próximo Domingo)
ás 17h00 espero que possam comparecer
todos!"

terça-feira, 3 de julho de 2007

Não esqueçer ! Apareçam !


"Os Meninos Gordos"
7 de Julho às 21:30
8 de Julho às 16:30
Centro Cultural de Campo
Entrada livre
Reservas para o 912248939

- Dá cá uma beijoka meu malmequer!

segunda-feira, 2 de julho de 2007